Família

Amor independente da idade: o desafio da adoção tardia no Brasil

No Brasil, cerca de 77% dos menores à espera de uma nova família são crianças acima de oito anos e adolescentes

- Liana Xavier, 44 e Fabiana Poetsch, 39, adotaram seus filhos há seis anos

No Brasil, cerca de cinco mil crianças estão à espera de um lar. Do outro lado, mais de 30 mil famílias habilitadas para isso. A disparidade se justifica pela diferença entre o perfil procurado pelas famílias e a realidade dos abrigos brasileiros. Cerca de 77% dos menores que aguardam adoção são crianças acima de oito anos e adolescentes. Ao longo dos anos, houve uma mudança no perfil procurado pelas famílias, mas a adoção tardia, nome dado quando envolve crianças mais crescidas e adolescentes, ainda é um desafio no País.

Em Pelotas, a titular da Promotoria da Infância e Juventude, Luciara Robe, avalia que a dificuldade de encontrar famílias para essas crianças ainda existe, mas já foi muito maior. "Várias medidas vêm sendo adotadas ao longo dos anos para que essa dificuldade diminua. O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] estabelece que os pretendentes à adoção passem por curso preparatório, no qual é estimulada a adoção de crianças maiores, grupos de irmãos, e crianças/adolescentes portadoras de necessidades especiais", observa.

A magistrada do Juizado da Infância e Juventude, Alessandra Oliveira, afirma que os números de 2023 em Pelotas confirmam essa mudança de perfil. "Até agora, seis adoções foram finalizadas e 12 crianças e adolescentes estão em fase de convivência. Desses 12, quatro têm mais de 12 anos. Isso demonstra que os habilitados, ainda que de forma gradual, já estão aceitando adolescentes, que antigamente era muito difícil", observa. As autoridades destacam que mecanismos como o Grupo de Apoio à Adoção, o aplicativo de adoção do Tribunal de Justiça, a busca ativa - que permite que as famílias vejam fotos e mais detalhes das crianças - e o Dia do Encontro, que reúne crianças e adolescentes com famílias habilitadas à adoção, têm papel importante neste cenário.

Amor independente da idade
"Família tem que ter amor, respeito e carinho, independentemente da configuração", diz a empresária Liana Xavier, 44. Foi com esse pensamento que, seis anos atrás, ela e a esposa, a veterinária Fabiana Poetsch, 39, realizaram o sonho da maternidade com a chegada dos irmãos Gabriel e José Carlos, à época com seis e oito anos. Através da busca ativa, elas formaram família com meninos que não estavam no perfil inicial definido pelo casal. "A maioria das pessoas, assim como nós, entram com o perfil de zero a três anos. E muitos acabam mudando também", observa Liana.

Segundo elas, atualmente as famílias já estão mais abertas para adotar crianças mais crescidas e entender que o processo, assim como qualquer outro, tem seus desafios, mas é gratificante. "A palavra [que define nossa história] é resiliência. É se reinventar, aprender. Tudo que aconteceu, da forma que aconteceu, não foi por acaso, é porque era para ser a gente", garante Fabiana. "Enxergar a evolução dos nossos filhos é maravilhoso. Saber que eles têm a oportunidade de ser felizes e ter paz, poder construir os sonhos deles. É minha maior realização ver que eles têm segurança em nós", reflete Liana.

A situação é parecida com a da professora Pâmela Araújo, 36. Há quatro anos, durante um Dia do Encontro, ela e o marido conheceram os irmãos Eric, de nove anos, e Jober, de sete. "Quando a gente descobre a infertilidade, a gente começa a construir essas outras possibilidades de ser família. É [um processo] intenso. Quando conhecemos os guris, foi a culminância dessa intensidade", relembra. O casal ficou poucos meses na fila para adoção até a chegada dos filhos. "Tínhamos definido o perfil de crianças até sete anos. Mas aí a gente chega lá e vê uma criança real, de nove anos, que nos dá a mão e interage conosco. Tu começa a te aproximar da realidade, e aquele ideal começa a se desconstruir", relembra.

O processo atualmente
O primeiro passo para começar o processo de adoção é a realização do pré-cadastro online no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. Após a entrega de documentos obrigatórios, começa o processo de habilitação, que costuma durar cerca de 120 dias, e envolve etapas de avaliação por assistentes sociais, psicólogos e outros. "O Juizado da Infância em Pelotas dá uma tramitação prioritária para os processos de adoção. Temos plena consciência que o acolhimento é uma situação difícil para as crianças. Se tem toda uma prioridade, seja para a criança voltar para sua família de origem o quanto antes, ou para encontrar a família pela adoção", avalia a juíza Alessandra.

A demora no processo depende de muitos fatores, como o próprio perfil escolhido pelas famílias. A pedagoga Erlene Barbosa, 39, está há cerca de quatro anos na lista de adoção. Assim como em muitos casos, ela e o marido mudaram o perfil de bebês para crianças um pouco mais velhas. Apesar da angústia da espera, ela garante que a vontade de formar família continua a mesma. Agora, o casal está mais próximo de realizar o sonho. "Apresentamos pretensão de adotar uma garotinha de sete anos. São 20 dias para o processo terminar. O juiz precisa autorizar a nossa aproximação com a criança. Até o dia 2 de setembro teremos essa resposta e tem sido os dias mais angustiantes dessa espera. A única certeza que temos é que seremos pais e não vamos desistir", reflete Erlene.

Grupo de Apoio à Adoção
Em Pelotas, o Grupo de Apoio à Adoção (GAA) é o principal espaço para dividir as etapas do processo e tirar dúvidas, tanto para as famílias interessadas e/ou habilitadas a adotar, quanto para aquelas que já fizeram a adoção. Liana está à frente do grupo, fundado em 2016, que reúne mensalmente cerca de 50 pessoas. "Nós somos troca de vivências. É um espaço para lidar com a maternidade e a paternidade até porque, para as famílias que existem pela via adotiva, são nossos filhos. Não tem diferença entre adotado e biológico", resume Liana. A participação no Grupo é, inclusive, parte obrigatória do processo de habilitação das famílias. Através do número (53) 98146-1036, é possível contatar o grupo para mais informações.

Realidade pelotense em dados
- 139 famílias cadastradas para adotar
- Dois adolescentes esperando adoção: um menino de 16 anos e uma menina de 14 anos
- 15 adoções em 2022
- 6 adoções finalizadas em 2023. Outras 12 crianças e adolescentes estão em fase de convivência. Dessas, quatro têm mais de 12 anos.
- 60 crianças em acolhimento (tanto em abrigos quanto em famílias acolhedoras)

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